Wednesday, March 21, 2012

A aflição de Anatéia e Jesus (draft #1)

Na sala da casa acontecia. Na sala da casa a briga era validada e doía. Tanto de um tanto que a tinta da parede chegava a rachar. De pequeno, da espessura de uma teia, aumentando gravemente até cair no chão e virar pó. A palavra final tinha cheiro de chumbo. Envenenava. Anatéia não tomava banho há dois dias porque achava que não tinha água quente e esquentar em chaleira foi coisa que jurou parar de fazer desde a vinda pro município. Ela nem sequer provou ligar o chuveiro instalado no cubículo que Jesus levantou no verão passado. Cismou que era e foi depois que viu o carro da companhia de água na casa da vizinha da frente -- porque ela generalizava. Não havia situação ou acontecimento isolado. Tudo fazia parte de um plano maior. O conhecimento de hoje, amanhã. Pro bem ou pro mal. Chegava a limitar. E o mal era a falta de banho naquele calor molesto. Varreu então a poeira que deitada no chão da sala vinha mesclada: branco e verde água, ás vezes escuro, velho. Sendo a última cor a pintura antiga da casa, de antes da mudança. De outros senões. E enquanto varria pensava nas palavras de Jesus antes de sair batendo portas. "Você tá tapando o sol com a peneira, mulher. E uma peneira bem grande." Eram duas as verdades. A dele e a dela, mais a dele por causa da transparência dos sentimentos em relação à ela. Anatéia era dura, calosa mesmo até nas feições e sofria de obstrução do fígado. A cruz dela era maior e só havia lugar para uma na casa. Quando Jesus voltou coisa de uma hora depois, encontrou a casa vazia. O vazio geral: ele e a imensidão de um ar parado, de uma fissura suspensa. Se ela se foi, se voltou para o cafundó? Se saiu a bater pernas pro mercado? Sentou-se no banco de madeira que dava para os fundos e olhou. Olhou até enxergar os raios de sol comerem a terra. Estava ficando preocupado, marcando o relógio com pesar. As feridas na palma da mão coçavam há séculos, sem fim. Precisava de mais pomada e da mulher.