Tinham um ar frio e calculista, as imagens mentais. Calabouço dos sentimentos sombrios de toda a gente, de toda a humanidade. E a sondavam feito feras dia e noite, noite e dia. Ela, Clemência, tentava espantá-las com erva de mulher braba, pistola e lança. Chegou a benzer a cama em véspera de noite de sonho que se registra, trancou-se no armário mais remoto, no espaço mais recôndito da sua existência e ainda assim conseguia sentir o bafo frio e horripilante das feras imaginárias. Clemência tinha uma amiga estelar. Coisa d'outro mundo. E as duas se correspondiam por cartas, mensagens, dobraduras. Uma alimentando a fome da outra e ensinando para a outra aquilo que escola nenhuma ensina, aquilo que é instintivo e se perdeu. Então lembrou-se de sagrado ensinamento. Lembrou-se e ficou a lembrar. Puxou a cadeira pro meio do mato, deitou a sola dos pés na terra e deixou escapar subterfúgios. E como se esforçava... queria chegar até as estrelas com o sopro de uma criança de três anos. Queria demais. E cada vez que fechava os olhos se via ali tentando colocar pra fora, pelo ventre, boca e poros, um leão sem a destreza de um encantador de animais selvagens, desviando o olhar do ponto de partida, daquela primeira respiração inaugural. Estava presente, porém tão quebrada. Clemência aconteceu desse jeito... sem as rédeas e os retalhos da sua própria vida. Perdeu-se e agora tudo parecia custoso sem um fim que se mede. Custoso e engessado.
Clemência corre dentro da mulher que vive em cada uma de nós.